“Para a
verdadeira unidade da igreja cristã é suficiente que o evangelho seja pregado
unanimemente, de acordo com a reta compreensão dele e os sacramentos sejam
administrados em conformidade com a palavra de Deus. E para a verdadeira unidade da igreja cristã não é necessário que em
toda a parte se observem cerimônias uniformes instituídas pelos homens.”
(trecho do Artigo 7 da Confissão de Fé Augsburg).
Há poucos domingos minha esposa e eu
participamos do culto ao Senhor numa igreja cristã de denominação pentecostal
histórica, diferente da que congregamos que é reformada luterana (protestante).
E sabem, foi uma experiência e tanto! Hoje, gostaria de falar-lhes um pouco
sobre isso.
Já não é a primeira vez que fomos
àquela igreja. Temos alguns amigos que a frequentam. E como nossas agendas
estão meio bagunçadas ultimamente, calhou de termos tido a oportunidade de ali
estar. Mas sabíamos que a noite do último domingo seria diferente, porque
haveria a comunhão dos irmãos na Ceia do Senhor.
Logo de cara notamos que as pessoas que
lotavam o templo tinham dado o melhor de si para estarem ali. Suas roupas
demonstravam isso. Não se tratavam de roupas caras, mas eram nitidamente
asseadas. Como que separadas para
irem ao culto. Não eram roupas do dia-a-dia, mas aquelas que se usam em
momentos importantes da vida. E sabem, o que nos pareceu é que as pessoas
estavam felizes por terem se preparado para estarem ali. Não nos pareceu que
tivessem se vestido daquele modo para serem aceitos pelos outros, o para se
exibirem aos demais, como às vezes ocorre em ocasiões sociais. No gesto
corriqueiro do vestir-se, parece terem deixado claro que aquele momento não era
ordinário, mas importante e especial.
Eu sei, e você que me lê também sabe,
que nossas vestes não nos tornarão agradáveis
aos olhos de Deus. Afinal, nada temos em nossa natureza humana que nos
possa tornar aceitáveis perante Ele, a não ser a fé que temos em Jesus Cristo
como nosso único e suficiente salvador. Não é disso que estou falando. O que
quero dizer é que era nítido que aqueles irmãos e irmãs se prepararam de modo especial
para cultuar ao nosso Deus. Eles sabiam (ou pareciam saber) que isso não muda
nada em relação à sua salvação. Mas demonstravam estar felizes por poderem cultuar
a Deus com o melhor que podiam apresentar naquele momento. Era como que uma
resposta à graça da salvação.
Mas essa resposta não ficava na
superficialidade das roupas. O grupo de louvor na verdade não era um grupo, mas
vários grupos. Dos jovens que prepararam uma canção à uma pequena orquestra
formada por membros daquela comunidade. Músicas cantadas por famílias inteiras
abençoadas com dons musicais. Uma igreja inteira entoando hinos antigos e
músicas novas, cujas letras tinham nítidas referências e fundamentos bíblicos.
As qualidades musicais eram incríveis. Mais uma vez aqui percebemos que as
pessoas realmente procuraram se preparar para o louvor. Porém, tais coisas não
pareciam onerar as consciências das
pessoas como se fossem necessárias para a
salvação (Artigo 15 da Confissão de Fé de Augsburg). E o mais importante: o
centro do louvor não eram os músicos, ou a música, ou os pregadores, ou os
ouvintes. Tudo aquilo apontava diretamente ao Deus criador, ao Cristo que pagou
sozinho o preço do nosso pecado, e ao poder vivificante do Espírito Santo.
O fato de que as pessoas haviam se
preparado para estar ali ficou ainda mais óbvio quando, no final do culto, na
parte dos avisos, um jovem de dezessete anos subiu ao púlpito para convidar os
membros que desejassem a participar dos ensaios para o teatro de Natal, cuja
seleção aconteceria no sábado seguinte. Estávamos no início de julho!
Digo tudo isso porque, de algum modo,
fomos tocados pelo exemplo desse preparo que as pessoas demonstraram para se
apresentarem ao culto do Senhor. Nada disso as tornou mais ou menos dignas de
salvação. Mas além do amor ao próximo, não consigo pensar em outra resposta melhor
ao Amor de Deus que a alegria de nos reunirmos como Igreja Cristã em culto a
Ele.
Mas há outro aspecto que gostaria de
abordar aqui. Esse muito mais importante para mim, porque de algum modo me fez
entender melhor coisas que, até certo ponto, eu já sabia. Naquela noite, percebi
outro ponto do ser cristão. Tenho
convicção de que Deus operou as circunstâncias para que, a partir delas, o
conhecimento intelectual de alguns pontos das Escrituras se tornassem vivos em
mim. Para sempre!
O tema central da pregação na noite foi
a insistência de Deus em relação a nós. Deus não desiste de nós. Deus não
desistiu de mim. E Ele não desiste porque os propósitos d’Ele são eternos e
imutáveis. Se Ele tem algum propósito ou missão para mim, Ele agirá para que
esse propósito se realize em mim e por mim, apesar de mim e de toda a resistência e oposição que eu possa
oferecer (e que como Adão ofereço, porque isso é da natureza adâmica). O
pregador teve o cuidado de apresentar e contextualizar várias narrativas bíblicas
nas quais os propósitos de Deus se realizaram na vida de homens e mulheres, e por
intermédio deles. Foi uma prédica realmente inspiradora, de esperança e fé
na obra de Deus em nós e por nós.
Após a pregação, chegou a hora da Ceia
do Senhor. E o pastor que conduzia o culto, ao convidar os presente a
participarem da Ceia, referiu aos “membros da igreja” para dela participarem. E
eu fiquei sem reação. Por medo.
Quem me conhece sabe que não sou muito
extrovertido. Que tento ter reta coerência entre o que penso, o que creio, e o
que vivo. Que sou combativo (mas não beligerante!), até por força da profissão
que exerço. Que tento ao máximo obedecer às regras vigentes. E que, quando necessário,
sou altivo e enérgico, procurando ser cuidadoso para não magoar ou ofender as
pessoas. Não foram poucas as vezes em que tive que me desculpar com algumas
delas. E o pior aqui não me é pedir perdão, mas conviver com a ideia de que
mais uma vez falhei. Sim, arrependo-me por coisas que fiz e faço. E creio que o
arrependimento tem sua dose de dor, pela consciência do erro. É só a certeza da
salvação e do perdão de Deus que consegue aplacar a angústia do saber-se
pecador.
Não sei exatamente porque, mas o fato é
que tomei a expressão “membros da igreja” assim mesmo, com “i” minúsculo.
Quando na verdade tudo o que vi e ouvi naquela noite deixava evidente que o
pastor se referia à Igreja Cristã, à comunhão
dos santos. Ele estava convidando a todos
os membros dessa Igreja de Jesus
Cristo (sejam de que denominação
cristã fossem) para participarem da Ceia do Senhor.
Mas eu, em minha pequenez; em meu
desejo de não transgredir as regras; na minha consciência de que há diferenças nos
modos de vivenciar a fé cristã entre comunidades e denominações diferentes, e
no consequente desejo de respeitar os diferentes modos de ser cristão; enfim, no meu excesso de escrúpulo, tive medo e abdiquei do corpo e do sangue de
Cristo!
Tudo o que é Adão e mim me fez
silenciar! Tudo o que é carne me fez ficar distante da dádiva que é o sagrado
sacramento da Santa Ceia. E ninguém tem culpa de nada disso. Ninguém! Nem mesmo
eu! Mas em mim, naquele momento, a natureza pecadora prevaleceu, e me afastou
da comunhão com os irmãos. Fui convidado, e o engano me isolou, mantendo-me afastado
de Deus, que é a condição própria do pecador.
Saí daquele maravilhoso culto com o
coração apertado e com a mente embaralhada. A oração que dirigi ao Pai naquela
noite, sozinho, refletia bem a situação: pedi perdão por não ter ceiado, e agradeci por uma Ceia que não tomei! Não o sabendo, pedi por sabedoria. E Deus deu-ma (Tiago
1.5).
Bom, o que preciso dizer agora é que,
de novo, Deus não desistiu de mim!
Porque o propósito eterno d’Ele é me ver reconciliado com Ele. E porque esse
propósito será alcançado apesar de
tudo o que sou, Deus não tardou em me responder. E Ele disse: Não temas, homem mui desejado, a paz seja
contigo; anima-te, sim, anima-te. (Daniel 10.19). Porque eu, o Senhor, teu Deus, te tomo pela tua mão direita, e te dito:
Não temas, que eu te ajudo. (Isaías 41.13).
Estou aqui escrevendo agora com a
convicção de que tudo o que aconteceu naquela noite me mostrou uma enorme
lição. Deus usou todas as circunstâncias para me mostrar mais uma vez que toda
a herança que ele me prometeu já é minha desde logo. Que toda a coragem do
cristão deve ser vivida desde agora e em cada instante. E que nenhuma convenção
humana pode nos deter da vontade salvadora de Deus. Porque mesmo quando minha
natureza pecadora quis me afastar de Deus, Ele me resgatou e me disse: esteja
vigilante, mantenha-se firme na fé, seja homem de coragem, seja forte! (1
Coríntios 16.13).