segunda-feira, 15 de julho de 2013

Preparo e Coragem

Para a verdadeira unidade da igreja cristã é suficiente que o evangelho seja pregado unanimemente, de acordo com a reta compreensão dele e os sacramentos sejam administrados em conformidade com a palavra de Deus. E para a verdadeira unidade da igreja cristã não é necessário que em toda a parte se observem cerimônias uniformes instituídas pelos homens.” (trecho do Artigo 7 da Confissão de Fé Augsburg).

Há poucos domingos minha esposa e eu participamos do culto ao Senhor numa igreja cristã de denominação pentecostal histórica, diferente da que congregamos que é reformada luterana (protestante). E sabem, foi uma experiência e tanto! Hoje, gostaria de falar-lhes um pouco sobre isso.

Já não é a primeira vez que fomos àquela igreja. Temos alguns amigos que a frequentam. E como nossas agendas estão meio bagunçadas ultimamente, calhou de termos tido a oportunidade de ali estar. Mas sabíamos que a noite do último domingo seria diferente, porque haveria a comunhão dos irmãos na Ceia do Senhor.

Logo de cara notamos que as pessoas que lotavam o templo tinham dado o melhor de si para estarem ali. Suas roupas demonstravam isso. Não se tratavam de roupas caras, mas eram nitidamente asseadas. Como que separadas para irem ao culto. Não eram roupas do dia-a-dia, mas aquelas que se usam em momentos importantes da vida. E sabem, o que nos pareceu é que as pessoas estavam felizes por terem se preparado para estarem ali. Não nos pareceu que tivessem se vestido daquele modo para serem aceitos pelos outros, o para se exibirem aos demais, como às vezes ocorre em ocasiões sociais. No gesto corriqueiro do vestir-se, parece terem deixado claro que aquele momento não era ordinário, mas importante e especial.

Eu sei, e você que me lê também sabe, que nossas vestes não nos tornarão agradáveis aos olhos de Deus. Afinal, nada temos em nossa natureza humana que nos possa tornar aceitáveis perante Ele, a não ser a fé que temos em Jesus Cristo como nosso único e suficiente salvador. Não é disso que estou falando. O que quero dizer é que era nítido que aqueles irmãos e irmãs se prepararam de modo especial para cultuar ao nosso Deus. Eles sabiam (ou pareciam saber) que isso não muda nada em relação à sua salvação. Mas demonstravam estar felizes por poderem cultuar a Deus com o melhor que podiam apresentar naquele momento. Era como que uma resposta à graça da salvação.

Mas essa resposta não ficava na superficialidade das roupas. O grupo de louvor na verdade não era um grupo, mas vários grupos. Dos jovens que prepararam uma canção à uma pequena orquestra formada por membros daquela comunidade. Músicas cantadas por famílias inteiras abençoadas com dons musicais. Uma igreja inteira entoando hinos antigos e músicas novas, cujas letras tinham nítidas referências e fundamentos bíblicos. As qualidades musicais eram incríveis. Mais uma vez aqui percebemos que as pessoas realmente procuraram se preparar para o louvor. Porém, tais coisas não pareciam onerar as consciências das pessoas como se fossem necessárias para a salvação (Artigo 15 da Confissão de Fé de Augsburg). E o mais importante: o centro do louvor não eram os músicos, ou a música, ou os pregadores, ou os ouvintes. Tudo aquilo apontava diretamente ao Deus criador, ao Cristo que pagou sozinho o preço do nosso pecado, e ao poder vivificante do Espírito Santo.

O fato de que as pessoas haviam se preparado para estar ali ficou ainda mais óbvio quando, no final do culto, na parte dos avisos, um jovem de dezessete anos subiu ao púlpito para convidar os membros que desejassem a participar dos ensaios para o teatro de Natal, cuja seleção aconteceria no sábado seguinte. Estávamos no início de julho!

Digo tudo isso porque, de algum modo, fomos tocados pelo exemplo desse preparo que as pessoas demonstraram para se apresentarem ao culto do Senhor. Nada disso as tornou mais ou menos dignas de salvação. Mas além do amor ao próximo, não consigo pensar em outra resposta melhor ao Amor de Deus que a alegria de nos reunirmos como Igreja Cristã em culto a Ele.

Mas há outro aspecto que gostaria de abordar aqui. Esse muito mais importante para mim, porque de algum modo me fez entender melhor coisas que, até certo ponto, eu já sabia. Naquela noite, percebi outro ponto do ser cristão. Tenho convicção de que Deus operou as circunstâncias para que, a partir delas, o conhecimento intelectual de alguns pontos das Escrituras se tornassem vivos em mim. Para sempre!

O tema central da pregação na noite foi a insistência de Deus em relação a nós. Deus não desiste de nós. Deus não desistiu de mim. E Ele não desiste porque os propósitos d’Ele são eternos e imutáveis. Se Ele tem algum propósito ou missão para mim, Ele agirá para que esse propósito se realize em mim e por mim, apesar de mim e de toda a resistência e oposição que eu possa oferecer (e que como Adão ofereço, porque isso é da natureza adâmica). O pregador teve o cuidado de apresentar e contextualizar várias narrativas bíblicas nas quais os propósitos de Deus se realizaram na vida de homens e mulheres, e por intermédio deles. Foi uma prédica realmente inspiradora, de esperança e fé na obra de Deus em nós e por nós.

Após a pregação, chegou a hora da Ceia do Senhor. E o pastor que conduzia o culto, ao convidar os presente a participarem da Ceia, referiu aos “membros da igreja” para dela participarem. E eu fiquei sem reação. Por medo.

Quem me conhece sabe que não sou muito extrovertido. Que tento ter reta coerência entre o que penso, o que creio, e o que vivo. Que sou combativo (mas não beligerante!), até por força da profissão que exerço. Que tento ao máximo obedecer às regras vigentes. E que, quando necessário, sou altivo e enérgico, procurando ser cuidadoso para não magoar ou ofender as pessoas. Não foram poucas as vezes em que tive que me desculpar com algumas delas. E o pior aqui não me é pedir perdão, mas conviver com a ideia de que mais uma vez falhei. Sim, arrependo-me por coisas que fiz e faço. E creio que o arrependimento tem sua dose de dor, pela consciência do erro. É só a certeza da salvação e do perdão de Deus que consegue aplacar a angústia do saber-se pecador.

Não sei exatamente porque, mas o fato é que tomei a expressão “membros da igreja” assim mesmo, com “i” minúsculo. Quando na verdade tudo o que vi e ouvi naquela noite deixava evidente que o pastor se referia à Igreja Cristã, à comunhão dos santos. Ele estava convidando a todos os membros dessa Igreja de Jesus Cristo (sejam de que denominação cristã fossem) para participarem da Ceia do Senhor.

Mas eu, em minha pequenez; em meu desejo de não transgredir as regras; na minha consciência de que há diferenças nos modos de vivenciar a fé cristã entre comunidades e denominações diferentes, e no consequente desejo de respeitar os diferentes modos de ser cristão; enfim, no meu excesso de escrúpulo, tive medo e abdiquei do corpo e do sangue de Cristo!

Tudo o que é Adão e mim me fez silenciar! Tudo o que é carne me fez ficar distante da dádiva que é o sagrado sacramento da Santa Ceia. E ninguém tem culpa de nada disso. Ninguém! Nem mesmo eu! Mas em mim, naquele momento, a natureza pecadora prevaleceu, e me afastou da comunhão com os irmãos. Fui convidado, e o engano me isolou, mantendo-me afastado de Deus, que é a condição própria do pecador.

Saí daquele maravilhoso culto com o coração apertado e com a mente embaralhada. A oração que dirigi ao Pai naquela noite, sozinho, refletia bem a situação: pedi perdão por não ter ceiado, e agradeci por uma Ceia que não tomei! Não o sabendo, pedi por sabedoria. E Deus deu-ma (Tiago 1.5).

Bom, o que preciso dizer agora é que, de novo, Deus não desistiu de mim! Porque o propósito eterno d’Ele é me ver reconciliado com Ele. E porque esse propósito será alcançado apesar de tudo o que sou, Deus não tardou em me responder. E Ele disse: Não temas, homem mui desejado, a paz seja contigo; anima-te, sim, anima-te. (Daniel 10.19). Porque eu, o Senhor, teu Deus, te tomo pela tua mão direita, e te dito: Não temas, que eu te ajudo. (Isaías 41.13).

Estou aqui escrevendo agora com a convicção de que tudo o que aconteceu naquela noite me mostrou uma enorme lição. Deus usou todas as circunstâncias para me mostrar mais uma vez que toda a herança que ele me prometeu já é minha desde logo. Que toda a coragem do cristão deve ser vivida desde agora e em cada instante. E que nenhuma convenção humana pode nos deter da vontade salvadora de Deus. Porque mesmo quando minha natureza pecadora quis me afastar de Deus, Ele me resgatou e me disse: esteja vigilante, mantenha-se firme na fé, seja homem de coragem, seja forte! (1 Coríntios 16.13).

segunda-feira, 24 de junho de 2013

A Fé provém exclusivamente de Deus

Em encontros de estudos bíblicos nos quais tenho participado, por vezes tenho ouvido questionamentos sobre a fé. Não apenas entre jovens, mas também entre pessoas experimentadas na tradição cristã, pode-se ouvir com certa frequência algo assim: “Como pode ser a fé um presente de Deus? Ou eu tenho fé, ou eu não tenho. É o homem quem decide ter ou não ter fé...”. É notável como tal postura contrasta fortemente com a explicação que Lutero deu ao terceiro artigo do Credo Apostólico em seu Catecismo Menor: “creio que, por minha própria inteligência ou capacidade, não posso crer em Jesus Cristo, meu Senhor, nem chegar a ele.”

Essa é uma questão que imagino ser recorrente. Também levei bastante tempo para reconhecer que a fé é um presente de Deus, e provém exclusivamente Dele. Não é de se estranhar a dificuldade de compreender isso. O homem crê-se autossuficiente, imagina-se em condições de criar a fé em si mesmo e nos outros. Reconhecer a fé como obra exclusiva do Espírito de Deus no homem (e não como obra do próprio homem) é uma derrota difícil de engolir.

Sei que existe uma intensa disputa teológica entre luteranos, calvinistas e arminianos sobre como a fé opera nas pessoas, e se elas podem resistir (ou não) à fé ofertada por Deus. E não tenho a menor pretensão de resolver esse intrincado problema teológico que dura séculos. Mas o que sei é que quando Deus bate à nossa porta e nos chama pelo nome, ofertando-nos reconciliação para com Ele, não conseguimos ficar neutros: ou abrimos a porta e permitimos que Ele entre, ou então não abrimos a porta (o que equivale a rejeitá-Lo).

Vou tentar um exemplo. Suponha que alguém construiu uma casa e que a ofereceu como um presente para outra pessoa. Trata-se de uma doação. De duas uma: ou o donatário aceitará a casa (ou seja, receberá a doação, o presente), ou a rejeitará (e acreditem, já presenciei isso acontecer muitas vezes, por orgulho, desconfiança, ou outros sentimentos assim!).

Pergunto: quem é o grandioso? Quem é o magnânimo? Aquele que ofereceu a casa, ou quem a recebeu? A pessoa que deu o presente, ou aquela que o aceitou? O bem foi praticado por quem? Por aquele que disse “sim, eu quero o presente”, ou pelo doador? Não soaria estranho o donatário afirmar que o mérito pelo bem que recebeu é dele? “Ora, fui eu quem disse sim, mereci a casa portanto...”. Se não fosse o doador, o donatário poderia gritar milhões de “sim”, mas a casa não viria, porque a existência da casa não depende dele, donatário, mas do doador, que a construiu. O donatário não teria aquela casa se o doador não a tivesse construído e não a quisesse doar.

Semelhante é a condição do homem diante do grande presente que só Deus pode dar: a fé em Jesus Cristo. Quando Deus, por meio de seu Espírito Santo, se apresenta diante de cada um de nós oferecendo-nos a Fé gratuitamente (e Ele o faz constantemente, pela palavra bíblica e pelos sacramentos), estaremos em posição semelhante à daquela pessoa para quem a casa foi ofertada em doação: vamos aceitá-la ou recusá-la.

Sei que o exemplo da casa não retrata a grandiosidade do amor de Deus. Aliás, nenhum exemplo criado pelo homem será capaz disso, já que o amor de Deus “excede todo o entendimento” (Efésios, 3.19). Mas talvez ele tenha ajudado alguns de nós a compreender melhor o fato de que todo o esforço do homem na busca de Deus é em vão se ele não reconhecer primeiro que a Fé que o “sim” dele aceita não provém dele, homem, mas exclusivamente de Deus.

Há homens que aceitam a Fé em Jesus Cristo e fazem-no reconhecendo sua completa impotência e incapacidade para, por esforço próprio, terem fé na obra salvífica da encarnação, morte e ressurreição de Jesus Cristo. Tais pessoas compreendem que sua salvação não depende delas, e que nada podem fazer para serem salvas. Percebem que a razão e orgulho humanos não são capazes de conviver com a ideia de que o homem foi salvo por alguém que morreu pregado numa cruz. Aos olhos do mundo, ao juízo do Adão, é absolutamente humilhante ao homem reconhecer-se fraco, impotente. Aos olhos de Deus, é nesse ponto que se revelará a verdadeira Fé. Fé que anula a carne e faz nascer o espírito! Aquele que se entrega à cruz de Cristo pela fé está a padecer tal qual Cristo padeceu. Mas será glorificado tal qual Cristo o foi (Romanos 8.17).

Há outros homens que aceitam a Fé dizendo coisas como “aceito-te como meu senhor e salvador”. Mas continuam achando que foram eles quem “decidiram ter fé”. Não conseguem perceber que foi Deus quem primeiro lhes ofertou a fé. Não conseguem admitir que nenhum mérito há em simplesmente dizer “sim”. Este sim não cria a fé. A “fé aceita” desse modo é orgulhosa, pois se sustenta na presunção (tipicamente humana) de que nossas razões, decisões e atitudes podem salvar-nos e “garantir-nos” a vida eterna. É a fé do velho Adão que não se entrega, que não admite ser incapaz de se salvar por esforço próprio. É a fé da carne que não se anula, não “morre na cruz”.

Há ainda homens que negociam sua fé. Algo como alguém que diz: “para morar naquela casa sou obrigado a humilhar-me e aceitar a doação daquele homem? Então que seja assim”. Como que pretendem “preencher uma condição” para serem salvos. Aceitam a Fé para serem salvos, e não porque reconheceram sua insignificância e incapacidade. Ou, ainda pior, acham que após “preencherem” esta condição, estão no direito de exigir que Deus faça o que eles quiserem! Algo como: “Pronto, te aceitei como meu senhor e salvador! Agora, dê-me isso e aquilo. Faça assim e assado, aqui e agora, rápido”.  É um toma-lá-dá-cá: “eu te dou minha fé e tu me dás a salvação, ok?” Como se Deus precisasse “negociar” conosco. Como se estivéssemos fazendo um “favor” para Deus ao aceitar a Fé que Ele nos dá por meio de seu Espírito Santo. A Fé se torna um item sujeito a escambo: é ofertada pelo homem a quem lhe dá mais. O padrão de comportamento “aceita-me e dar-te-ei tal coisa” é próprio de Satanás, não de Deus. Basta pensar nas tentações que Jesus passou no deserto para entender isso. Ali está Satanás, negociando bens terrenos em troca da tão desejada adoração (Lucas 4.5-8; Mateus 4.8-10). Deus não quer nada em troca pela salvação que gratuitamente oferece por meio da Fé em Jesus Cristo. Até porque o homem não possui nada e não tem nenhuma característica que possa torná-lo agradável aos olhos de Deus. Deus salva homens porque Ele os ama, e não porque sejam valorosos ou porque possuam algo que Lhe interesse.

Caro leitor: reconheçamos que a fé não provém de nós, mas de Deus. Não aceitemos que nos vendam o que Deus gratuitamente nos ofertou. E não exijamos nada em troca: a vida eterna no reino de Deus é promessa já feita, e será cumprida tal como foi a ressurreição de Jesus. Não há casa maior que a de Deus na Eternidade. É lá que Deus quer nos receber, acolher e abrigar.